Quando o advogado deixa de repassar ao seu cliente o valor recebido em uma ação judicial uma grave lesão de direitos se instala, perde-se a principal característica de uma relação entre advogado e cliente, a confiança.
Veja, não estamos falando aqui de honorários, a remuneração ao advogado pelo trabalho prestado, mas de valores recebidos que devem ser repassados imediatamente ao cliente, pessoa que teve reconhecido na justiça o direito pecuniário.
Primeiro, faz-se necessário compreender a importância e a gravidade do que estamos tratando neste artigo. Deste modo, passaremos a visualizar o que é preceituado no Ordenamento Jurídico Brasileiro sobre o exercício da advocacia.
A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 traz em seu artigo 133 a disposição de que o advogado é figura indispensável à administração da justiça. O Código de Ética da OAB, por sua vez, no seu artigo 2º, caracteriza o advogado como defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social.
Em síntese, a advocacia é uma função dotada de elevada importância social, não sendo apenas uma profissão, para BONFIM, a advocacia é atividade político-jurídica, possui múnus público, conteúdo ético, político e social, constitui uma forma de participação, de inserção da comunidade, de opção de justiça, de luta pelo direito e pela liberdade, de tutela dos interesses da sociedade, de defesa dos valores jurídicos e princípios fundamentais dos direitos dos homens e da dignidade do trabalho. Desta forma, o exercício da advocacia deve ser sempre pautado na honestidade e na confiança.
O advogado atua através de um mandato, uma procuração. Nesta missão, o cliente outorga ao procurador os poderes necessários para sua representação em juízo ou fora dele, delegando inclusive o poder para receber valores.
Neste sentido, o Código Civil Brasileiro, nos seus artigos 668 estipula que o mandatário (neste caso, o advogado) é obrigado a dar contas de sua gerência ao mandante, transferindo-lhe as vantagens provenientes do mandato, por qualquer título que seja.
E se o advogado retiver, indevidamente, o valor que deveria ser repassado ao seu cliente, o que pode ser feito?
Neste caso, existe uma série de medidas que podem ser tomadas pelo mandante lesado:
Na esfera penal, o advogado que retém indevidamente verbas pertencentes ao seu cliente pode ser responsabilizado pela prática do crime de apropriação indébita, previsto no artigo 168 do Código Penal.
Na esfera cível, a depender do caso, o cliente lesado pode ingressar com uma ação indenizatória, ação de cobrança, ou ação de prestação de contas.
Na esfera administrativa, pode ser formalizada denúncia junto a OAB, sendo instaurado um processo ético-disciplinar, uma vez que o advogado que recebe valores destinados ao seu cliente e não repassa devidamente e não presta contas destes valores comete infração disciplinar prevista no art. 34, inciso XXI, do Estatuto da Advocacia e da OAB.
Observação: A jurisprudência pátria é pacífica ao sedimentar a inexistência de relação de consumo nos serviços prestados por advogados, sendo inaplicáveis as disposições do Código de Defesa do Consumidor.
No caso de demora para o repasse do valor, deve ser feita uma atualização?
Sim. Entende-se que o pagamento realizado e não atualizado corretamente é ineficaz na sua integralidade. O valor deve ser atualizado levando em consideração a inflação do período e juros.
Ainda, o artigo 670 do Código Civil Brasileiro define que pelas somas que devia entregar ao mandante ou recebeu para despesa, mas empregou em proveito seu, pagará o mandatário juros, desde o momento em que abusou.
Em complemento a esta disposição, o artigo 406 do referido código define que os juros, quando não estiverem convencionados, ou forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
São cabíveis danos morais?
Caracteriza abalo moral indenizável a retenção indevida pelo advogado de crédito do seu cliente. Tal conduta traz consigo diversos aborrecimentos e transtornos, sendo certo que não há qualquer justificativa para a conduta do advogado que retém indevidamente valores que deveria repassar imediatamente ao seu cliente.
Da mesma forma, as recentes decisões jurisprudenciais concluem pelo cabimento de condenação por danos morais, uma vez que o transtorno gerado pela quebra da confiança ultrapassa a mera perturbação, ocasionando uma excessiva preocupação, a mesma que o cliente procurava evitar quando buscou auxílio jurídico.
A advocacia é atividade essencial à manutenção da justiça e da democracia, e a conduta dos advogados deve ser absolutamente clara e honesta, o que não se verifica no momento em que valores são indevidamente retidos ou ocultados, conduta que fere de morte a confiança inerente ao mandato.
Referência:
BONFIM, Benedito Calheiros. A crise do direito e do Judiciário. Rio de Janeiro: Destaque, 1998.
Tiago Adede y Castro é advogado (OAB/RS 96.782) e sócio no escritório Adede y Castro Advogados em Santa Maria, RS.