Tenho certeza que movido pelos mais nobres sentimentos, Santa Maria aprovou alteração no “caput” do art. 201 da Lei Complementar 120/2018 – Código de Posturas Municipais que declara ser proibido o manuseio, a utilização, queima, soltura, depósito, transporte e comercialização de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos que possuem estampidos (efeitos sonoros).
Até aí, beleza. O problema começa quando lemos o § 3º que exclui da proibição “eventos extraordinários realizados por empresas registradas no Exército Brasileiro, com certificado de registro para atividades de show pirotécnico, desde que obedecidas todas as normas, além de outras condições previstas em Lei”.
Ora, é claro que ficam proibidos os fogos com estampidos apenas para aqueles que não se dispõe ou tem condições de contratar uma empresa registrada no Exército, pois certamente é bem mais caro e é reservado para grandes eventos.
Parece óbvio que o legislador, quando proibiu o manuseio, a utilização, queima, soltura, depósito, transporte e comercialização de fogos de artifício com estampido, ou seja, barulho, tinha a intenção de proteger a saúde de pessoas e animais, como autistas, pessoas com mal de Alzheimer, idosos acamados e outros seres vivos que ficam absolutamente alterados e em incrível sofrimento mental em razão dos estampidos.
Pois bem, a exceção do § 3º desatende a ideia geral do “caput”, pois permite a explosão de fogos com estampido desde que seja realizado por empresa (aí a primeira inconstitucionalidade pelo tratamento desigual, pois o cidadão, enquanto pessoa física, está excluído da possibilidade) e esquece o disposto no inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal que diz ser dever do Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.
O § 3º afronta ainda o artigo 227 da Constituição que determina ser dever do Poder Público “assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, ...além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Em relação ao idoso, diz o artigo 230 da Constituição Federal que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.
Não bastasse isso, o artigo 196 da CF, ao falar sobre a saúde, diz que ela “é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos...” Ora, é evidente que a proibição de soltura de fogos com estampido não é “frescura”, como alguns dizem, e a autorização que favorece exatamente os grandes eventos é inconstitucional, porque não garante igualdade entre o indivíduo e empresas, não protege a fauna (aí incluídos cães e gatos domésticos), agride as crianças ou adultos autistas, joga ao ostracismo os idosos, notadamente os portadores de Mal de Alzheimer e não cumprem mandamento constitucional no que se refere à redução do risco das doenças.
Não custa nada examinar ainda a Lei dos Crimes Ambientais, o Estatuto do Idoso e o Estatuto da Criança e do Adolescente, o que não cabe nesse espaço reduzido para ver, ainda, a ilegalidade da exceção à proibição. Pensar um pouco não dói.
João Marcos Adede y Castro (OAB/RS 85.239) é advogado e diretor do escritório Adede y Castro Advogados Associados